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Devotos de São Jorge e Ogum ocupam as ruas do país em homenagem ao santo guerreiro

São Jorge é considerado padroeiro dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros

Devotos de São Jorge e Ogum ocupam as ruas do país em homenagem ao santo guerreiro
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Uma hora antes de o sol nascer no horizonte carioca, às cinco horas da manhã, um grupo de fiéis católicos começa o dia em Quintino, bairro da Zona Norte da capital fluminense, para prestigiar a tradicional queima de fogos em homenagem a São Jorge. É o início oficial do dia dedicado ao personagem, feriado em alguns locais do país, como é o caso do estado do Rio de Janeiro.

Na crença católica, São Jorge é considerado padroeiro dos cavaleiros, soldados, escoteiros, esgrimistas e arqueiros. Ou, de forma mais popular, como o santo guerreiro. Para os devotos, simboliza um guia contra as dificuldades da existência humana, aquele que ajuda na luta contra o mal, ou contra os diferentes problemas do plano terreno e sobrenatural.

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Essa ideia é explicitada no site do Vaticano, em verbete que se refere ao santo.

“Como acontece com outros santos, envolvidos por lendas, poder-se-ia concluir que também a função histórica de São Jorge é recordar ao mundo uma única ideia fundamental: que o bem, com o passar do tempo, vence sempre o mal. A luta contra o mal é uma dimensão sempre presente na história humana, mas esta batalha não se vence sozinhos: São Jorge matou o dragão porque Deus agiu por meio dele”, diz o texto.

Apesar da força no catolicismo, há outras vertentes do cristianismo que o consideram santo, como a Igreja Anglicana e a Igreja Ortodoxa. Também para alguns seguidores de religiões de matriz africana, como a umbanda e o candomblé, há um comportamento de respeito.

O perfil de guerreiro, daquele que supera todas as dificuldades, é uma das explicações para a popularidade de Jorge, segundo o escritor, professor e historiador Luiz Antônio Simas. No ano passado, ele publicou o livro infantil O cavaleiro da lua: Cordel para São Jorge.

“São Jorge pertence ao rol do que eu chamo de santos do cotidiano. Aqueles dos milagres diários. Existem santos que você não evoca para os perrengues do dia a dia. Existe uma categoria que é invocada para resolver problemas imediatos. Como Santo Expedito, das causas urgentes. São Jorge é um santo da rua”, diz Simas.

 

Fiéis lotam a igreja de São Jorge, em Quintino, na zona zorte do Rio de Janeiro em comemoração ao dia do Santo.
Fiéis lotam a igreja de São Jorge, em Quintino, na zona zorte do Rio de Janeiro em comemoração ao dia do Santo Foto de Arquivo/Tomaz Silva/Agência Brasil

Origens da fé

A historiografia não identifica um conjunto de documentos que ateste, de forma inconteste, a existência de São Jorge. Muito do que é conhecido hoje se deu através da tradição oral e literária. O próprio Vaticano explica, em seu site oficial, que surgiram várias histórias fantasiosas ao longo do tempo em torno de São Jorge.

Segundo a versão mais conhecida, Jorge, nome de origem grega que significa “agricultor”, nasceu na Capadócia, atual Turquia, por volta do ano 280, em uma família cristã. Mudou-se para a Palestina e se alistou no exército de Diocleciano, imperador romano. Em 303, o imperador iniciou uma perseguição aos cristãos, e Jorge teria se colocado de forma contundente contra o imperador, o que o levou a sofrer torturas e a ser decapitado.

Um registro antigo, epígrafe grega do ano 368, descoberta em Eraclea de Betânia, teria uma das raras referências ao santo, ao falar da “casa ou igreja dos santos e triunfantes mártires, Jorge e companheiros”.

Rio de Janeiro - Durante os festejos de São Jorge em Quintino, na zona norte, na sede da paróquia dedicada ao santo, fiéis se reúnem para missas e procissões.
Fiéis são benzidos durante festejos de São Jorge em Quintino, na zona norte do Rio Foto de Arquivo/Tânia Rêgo/Agência Brasil

O período das Cruzadas acrescentou outros elementos à mitologia. As Cruzadas eram expedições militares, religiosas e comerciais, ocorridas entre os séculos XI e XIII, em que cristãos europeus viajavam até a Palestina para derrotar os muçulmanos e conquistar Jerusalém.

A narrativa mais famosa é a de que havia um grande pântano na cidade de Selém, na Líbia, onde vivia um dragão. Uma das formas de acalmá-lo era oferecer um(a) jovem. Um dia, chegou a vez da filha do rei. Mas Jorge se levantou contra o dragão e o matou com uma espada, imagem que até hoje é a mais representativa do santo. Os cruzados compararam a morte do dragão com a derrota do Islamismo.

“O dragão sintetiza a ideia da maldade, do inimigo, que está à espreita, no plano espiritual ou material, que te acossa no cotidiano. Acho que São Jorge ganha essa popularidade justamente por causa da simbologia guerreira, bélica, por ser um santo muito articulado com o imaginário de batalhas”, explica Luiz Antonio Simas.

O curioso é que, mesmo entre os muçulmanos, Jorge é uma figura de respeito, e muitos enxergam indícios de que ele esteja presente no livro sagrado do Islão, como explica o historiador.

“Há quem diga que ele é um personagem que aparece no Alcorão, chamado Al-Khidr. Ele seria São Jorge. Tem essa multiplicidade por ter esse perfil guerreiro, é o vencedor de demandas”, diz Simas.

O culto a Jorge se aprofundou na Inglaterra com os normandos. Em 1348, o Rei Eduardo III instituiu a “Ordem dos Cavaleiros de São Jorge”. E, durante a Idade Média, a figura foi tema de literatura épica. Segundo o Vaticano, na falta de notícias mais concretas sobre ele, em 1969, houve uma mudança de status da celebração ao santo: passou de festa litúrgica para memória facultativa.

São Jorge é Ogum?

Uma das afirmações frequentes no senso comum é o de que São Jorge e Ogum, orixá ligado às religiões de matriz africana, são o mesmo personagem, com nomes diferentes. A socióloga Flávia Pinto, que também é escritora, mãe de santo e matriarca da Casa do Perdão, explica que esse é um erro.

“Para nós do candomblé e da umbanda, já temos consciência hoje que São Jorge não é Ogum. Por um motivo histórico e cronológico. São Jorge existiu na Capadócia há dois mil anos. Já Ogum existe há mais de 10 mil anos na cidade de Ire, na Nigéria. Naturalmente, São Jorge é um filho pródigo de Ogum, mas não é o próprio Ogum”, diz Flávia.

Outra ideia comum é a de valorizar o sincretismo cultural quando se fala em São Jorge, por ele ter sido apropriado e ressignificado pelos afrodescendentes, ligados à diáspora negra, como forma de resistência e manutenção das crenças africanas. Flávia Pinto defende que esse cenário não pode ser visto de maneira romantizada, por ter envolvido processos violentos.



A artesã Maria Rosa veio de Vista Alegre, zona norte do Rio de Janeiro, para as celebrações na Igreja de São Jorge, na região central da capital. Como faz todo ano no dia 23 de abril, dedicado ao santo católico, ela pediu ajuda para enfrentar os problemas que tem passado.

“Eu venho pedir muita força e saúde. Preciso conseguir um trabalho, porque tenho um pai com câncer de pele, que precisa muito de mim. E venho pedir para a minha mãe também, que é idosa e sofre com muitas dores no corpo”, diz Maria.

Rio de Janeiro (RJ), 23/04/2025 – Maria Rosa recebe benção do babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, durante as celebrações ao Dia de São Jorge, no centro da cidade. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Maria Rosa recebe benção do babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, nas celebrações ao Dia de São Jorge - Fernando Frazão/Agência Brasil

A fila para entrar na igreja dava a volta em um quarteirão longo. Debaixo do sol forte do meio-dia, os fiéis esperavam pacientemente, com a expectativa de sair dali renovados. O funcionário público Leonardo Nascimento, de 36 anos, desceu as escadas da igreja com os olhos lacrimejando e a respiração ofegante.

“Toda vez que venho aqui é uma energia surreal. Sempre saio emocionado. Estar na igreja, na fé, na companhia dos santos”, explicou Leonardo.

“Minha ligação com São Jorge vem desde criança, por causa da família, especialmente minha mãe. É uma coisa que mexe comigo, que me dá força para seguir na vida, mesmo com todas as batalhas e dificuldades”.

Quem atravessava a rua em direção ao palco principal, montado do lado de fora da igreja, recebia um banho de água benta. Vestido com uma batina longa e preta, com o rosto encharcado de suor, o seminarista Marcos Paulo Telles, de 22 anos, era o responsável por mergulhar a escova no balde e molhar os fiéis.

“Como seminarista, é muito bonito ver a devoção do povo. Estou no processo para ser padre, e isso faz com que eu cresça em amor ao povo e à pastoral. Não importa o calor, as filas longas, o povo faz questão de interceder e estar próximo. A gente asperge água benta neles, mas eles também trazem as bençãos deles para a gente”, disse Marcos.

Rio de Janeiro (RJ), 23/04/2025 – O padre seminarista Marcos Paulo Telles oferta bençãos em missa católica durante as celebrações ao Dia de São Jorge, no centro da cidade. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
Seminarista Marcos Paulo Telles oferta bençãos em missa católica nas celebrações ao Dia de São Jorge - Fernando Frazão/Agência Brasil

Ritual

Poucos metros ao lado, três representantes de religiões de matriz africana ofereciam mais uma opção de ritual com banho. Com roupas claras e rendadas, colares de diferentes cores e sorrisos no rosto, ofereciam uma limpeza especial.

Quem se aproximava, recebia primeiro a água que saía das folhas de aroeira. Em seguida, um banho com arroz, símbolo de equilíbrio, sementes de girassol, para trazer prosperidade, e milho, representando alimentação e fartura do orixá Ogum.

O babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, explicou que data é uma oportunidade especial para tornar o ritual mais acessível e interagir com os fiéis católicos.

Rio de Janeiro (RJ), 23/04/2025 – O babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, oferta bençãos a devotos durante as celebrações ao Dia de São Jorge, no centro da cidade. Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
babalorixá Luiz Alberto de Oxóssi, do candomblé, oferta bençãos a devotos - Fernando Frazão/Agência Brasil

“Fazer uma limpeza de corpo completa geralmente sai muito caro, envolve muito gasto. Então, a gente traz isso para rua e para o povo, para os mais carentes, para quem precisa de um axé rápido e de energia positiva”, explicou Luiz.

“Hoje a gente reverencia São Jorge e Ogum, e os povos se respeitam bastante. Todo mundo fica junto: os padres e os babalorixás ocupando o mesmo espaço”.

A manicure Julia Firmino Rosa, de 27 anos, era um exemplo concreto desse sincretismo. Umbandista, ela trouxe toda a família: irmão, filhos e mãe. E estava cumprindo o itinerário completo de quem participava das celebrações a São Jorge.

“A gente sempre faz o mesmo ritual todo ano. Primeiro, assiste à missa. Depois entra na fila para entrar na igreja e agradecer. Na volta, passa pelo banho dos orixás aqui do lado”, diz a manicure. “É um santo muito importante para a gente, que é muito devoto. Viemos agradecer pelos livramentos e por estar com saúde”.


Fonte/Créditos: AGÊNCIA BRASIL

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Paulo Pincel

Publicado por:

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